Javier Milei venceu a eleição na Argentina no domingo (19/11) com um resultado expressivo, 11 pontos percentuais à frente do candidato governista Sergio Massa e com a maioria dos votos em 20 das 23 províncias do país.
Esse desempenho, porém, não foi registrado na eleição para o Legislativo, realizada em 22 de outubro junto com o primeiro turno da disputa presidencial, e o populista de direita Milei deverá ser o presidente argentino com a menor base parlamentar da história da nação.
As conversas para tentar construir governabilidade começaram já na noite de domingo, quando Milei recebeu a visita do ex-presidente Mauricio Macri e da sua candidata a presidente derrotada no primeiro turno, Patrícia Bullrich. Ambos são da legenda Proposta Republicana (PRO) e haviam declarado voto em Milei no segundo turno.
Mesmo com esse apoio, Milei segue longe de assegurar maioria no Congresso, o que imporá dificuldades para que ele implemente suas propostas, como a redução drástica do tamanho do Estado, o corte de impostos e a privatização de estatais. E pode deixá-lo vulnerável a um eventual processo de impeachment.
No melhor cenário, 90 deputados
A Câmara dos Deputados da Argentina tem 257 assentos, e a maioria é alcançada com 129 deles. O partido de Milei, A Liberdade Avança, terá 38 deputados – crescimento expressivo em relação à composição atual da casa, com três deputados. No entanto, isso representa apenas 15% da Câmara.
A coalizão que apoiou Bullrich no primeiro turno, Juntos pela Mudança, terá 93 deputados, mas não permanecerá unida em torno de Milei. Um dos principais partidos dessa coalizão, o União Cívica Radical (UCR), de centro-esquerda não peronista, por exemplo, fará oposição ao novo governo.
O principal aliado do presidente eleito da Argentina será o PRO, de Macri, que deve nomear ministros para o governo e contribuir com cerca de 40 deputados para a base. Segundo o jornal argentino Clarín, o PRO tentará atrair mais cerca de dez deputados de partidos menores, elevando a bancada governista a cerca de 90 parlamentares.
Essa projeção indica que Milei poderia conseguir na Câmara, por uma margem estreita, pelo menos um terço dos assentos, o que seria suficiente para bloquear um eventual processo de impeachment. Mas é insuficiente para a aprovação de projetos de lei ou evitar a derrubada dos decretos de necessidade e urgência, que têm um funcionamento similar ao das medidas provisórias no Brasil.
A União pela Pátria, coligação que apoiou Massa, terá 108 deputados na próxima composição da Câmara. Uma frente de esquerda terá cinco, e o peronismo não kirchnerista, sete. Os três grupos, somados, terão 120 deputados.
Situação mais difícil no Senado
O panorama para a base de Milei no Senado é mais dramático. Com 72 assentos, são necessários 37 para formar a maioria. O partido de Milei, que hoje tem zero senadores, elegeu sete. O PRO, de Macri, terá seis senadores – somados, uma bancada de 13.
Milei aproveitará o poder da presidência argentina para tentar atrair também o apoio de governadores não kirchneristas e seus senadores, em troca de decisões ou projetos que os favoreçam, sem garantia de sucesso.
Há ainda chance de que Milei consiga atrair para sua base mais cinco senadores do bloco Unidade Federal – mesmo assim, ficaria aquém de um terço da casa, expondo vulnerabilidade a eventuais processos de impeachment e longe da maioria necessária para aprovar projetos de lei.
Já a coligação que apoiou Massa terá 35 senadores, e o peronismo não kirchnerista, mais três.
Perspectivas de governabilidade
Segundo o jornal argentino La Nación, o entorno de Milei avalia que, se o novo presidente conseguir mostrar resultados positivos na economia nos primeiros meses de sua gestão, e amenizar alguns pontos de sua retórica inflamada, poderá criar condições para obter o apoio, em votações pontuais, de integrantes das duas coalizões derrotadas: a oposicionista Juntos pela Mudança e a governista União pela Pátria.
Eles também contam com a experiência de Macri para atuar nas negociações para ampliar a base de Milei. O ex-presidente argentino está ativamente envolvido nas costuras, e disse no domingo que "um futuro espetacular" aguardava a Argentina. Mas Macri conhece bem as dificuldades de governar o país. Eleito em 2015 com uma plataforma liberal, ele tornou-se em 2019 o primeiro presidente argentino a perder uma disputa pela reeleição.
O jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung registrou que Milei já havia começado a se aliar ao que ele antes chamava de "casta política parasitária, estúpida e inútil" e suavizar algumas de suas propostas mais radicais.