A Espanha é um país racista?

A Espanha é um país racista?

Os insultos racistas proferidos contra o atacante brasileiro do Real Madrid Vinícius Júnior durante a partida de sua equipe contra o Valencia no último domingo (21/05), geraram repúdio e indignação numa escala internacional.

Alguns argumentaram que tais atitudes racistas não ocorriam no passado, algo que não é verdade, conforme evidenciado por outros jogadores e ex-jogadores de futebol. Outros tentaram minimizar a situação, alegando que a torcida valenciana chamou Vini Jr. de "tonto" e não de "macaco".

Mas nada justifica o que aconteceu e nem mudará o tema central da discussão: aos olhos do mundo, e citando as palavras do próprio jogador afetado, a Espanha ficou com a imagem de "um país de racistas".

Estádios de futebol como reflexo da sociedade

O que especialistas ouvidos pela DW reconhecem é que o país europeu tem dificuldades em coibir o racismo, além do que se passa nos estádios de futebol e que muitas vezes é interpretado como reflexo da sociedade.

"Não se pode dizer que a Espanha é um país racista", disse à DW David Moscoso, professor de Sociologia do Esporte na Universidade de Córdoba. "O que é verdade é que grupos de extrema direita estão semeando uma ideologia de ódio contra estrangeiros de diferentes cores de pele ou etnias."

Segundo o especialista, tal conduta acaba sendo "transferida para o campo do jogo, porque o esporte é mais um espaço de expressão dos valores e comportamentos da nossa sociedade". No caso do futebol, os estádios foram convertidos num espaço onde parece ser mais fácil que se vejam comportamentos racistas e xenófobos.

Em protesto contra os ataques racistas ao jogador brasileiro do Real Madrid, Vinicius Junior, manifestantes de punhos erguidos seguram cartazes com os dizeres:
Manifestantes apoiam Vini Jr. em frente ao Consulado Geral da Espanha, em São Paulo

Em conversa com a DW, Sebastian Rinken, sociólogo do Instituto Espanhol de Estudos Sociais Avançados (IESA), concorda que caracterizar a Espanha como um país racista não faz sentido. Mas pondera: "É inegável que existem racistas e, nesse sentido, a Espanha tem um problema com o racismo, pois não conseguiu impedir que uma parte da população continue alimentando tais atitudes."

É possível medir quão racista é um país?

Discurso de ódio, xenofobia e racismo são situações difíceis de quantificar. Poucas pessoas se identificam como racistas ou admitem sê-lo abertamente. Além disso, as vítimas muitas vezes não reportam essas experiências negativas às autoridades.

"O racismo é uma atitude muito difícil de mensurar. Principalmente porque muitas pessoas, quase toda a população, admite que isso não é certo. Elas assimilaram a rejeição institucional às atitudes racistas e, portanto, isso não se expressa com muita liberdade", aponta Rinken.

Rejeição a imigrantes

Uma pesquisa realizada pelo IESA no outono de 2020 revelou, porém, que pelo menos 20% da população espanhola nutre antipatia pelos imigrantes. "E poderia ser mais. Não é um valor baixo, é um quinto da população, mas não é a maioria", acrescenta Rinken.

Essa antipatia pelos imigrantes, destaca o sociólogo, não é necessariamente motivada pelo racismo. "Mas isso não sabemos e é difícil de medir", considera.

O jogador brasileiro de futebol Vinícius Júnior, do time espanhol Real Madrid
Vini Jr. já havia denunciado racismo contra ele em diversas ocasiões, mas sempre sem efeito

Falta de punição

Moscoso aponta que atitudes racistas e discurso de ódio praticamente não resultam em punições na Espanha.

Vini Jr. destacou que os insultos racistas sofridos por ele no país não são novos. O próprio Real Madrid denunciou insultos racistas contra o jogador em até dez ocasiões. "Mas nada aconteceu, e a Justiça não se pronunciou a respeito. Isso faz com que essas condutas se multipliquem", salienta Moscoso.

O problema, avalia o sociólogo, pode ser o fato de "existir uma posição muito frouxa por parte das autoridades políticas e esportivas no que diz respeito à sanção desse tipo de comportamento". Moscoso traça um paralelo com a França, onde a pena pode chegar a um ano de prisão e multa de 45 mil euros para quem proferir injúrias raciais.

Rinke, por sua vez, não acredita que a punição seja a solução para o problema. Para o pesquisador alemão, "a chave para realmente avançar na questão é que as instituições e os líderes políticos defendam, de forma inequívoca, a diversidade em termos positivos". E conclui: "Os sinais que as instituições emitem têm impacto."